sábado, 8 de junho de 2013



A LÓGICA DA MATÉRIA!


Era uma vez, o maior cientista do mundo. Graças a ele e aos seus colaboradores, no mundo já não existiam a guerra, a fome e a doença. Toda a gente era rica e vivia feliz. As próprias espécies tinham sido preservadas da extinção, excetuando uma: a baleia. Precisamente para recuperá-la, um dia, o cérebro do Dr. Plus-Plus, assim se chamava o maior cientista do mundo, teve outra ideia genial: criar a "micro-baleia", através do método mais simples, barato e natural. Seria o primeiro passo! Mas, como?...


 Depois de as células cerebrais terem dado "uns encontrões" especiais umas às outras, por meio da ação do omnipotente acaso, a inteligência, crescendo e obedecendo ao corpo, inspirou-lhe o método a seguir. Nessa mesma noite, no maior segredo, o Dr. Plus-Plus dirigiu-se à praia que ficava a escassos 100 metros da sua vivenda. Então, do areal recolheu, ao acaso, meia dúzia de pedrinhas. Depois voltou a casa, pegou numa garrafa de vidro com gargalo largo, introduziu nela as pedrinhas e água, sensivelmente, até meio,  finalizando com uma colher de chá de AAD (ácido antidegenerativo). A seguir acendeu o seu isqueiro de bolso e passou a chama, levemente, pelo fundo da garrafa, após o que agitou esta, murmurando, triunfalmente: "Como o acaso e a evolução geraram tudo o que existe e a própria vida, a seu tempo farei nascer dentro desta garrafa a micro-baleia!". Assim, pois, sem que alguém soubesse (até porque o Dr. Plus-Plus vivia só), todas as noites, antes de se deitar, nos poucos momentos de que dispunha para fazer algo fora do Laboratório Científico e Cultural da Modernidade (LCCM), o maior cientista do mundo repetia durante alguns minutos o mesmo ritual: agitar a garrafa com a água e as pedrinhas, bufar com força no seu interior, chegar-lhe um pouco de calor com a chama do isqueiro e... deixar tudo em repouso até à noite seguinte. Depois dormia algumas horas, pois, das seis da manhã até à meia-noite, esse era o seu ritmo de trabalho normal. E o certo é que o maior cientista do mundo persistiu nessa sua original experiência durante vinte anos! Sem falhar um único dia. 


Ora, passado todo esse longo período de tempo, aconteceu algo inesperado: o Dr Plus-Plus, regressado a casa, já noitinha, como era habitual, deitou-se logo, sem fazer com a garrafa o que era costume: limitou-se a tirar a rolha do gargalo e foi para o quarto, repousar. Quando adormeceu, o seu semblante, calmo e pálido, deixava transparecer uma misteriosa expressão de confiança e vitória!...Na manhã do seguinte houve alvoroço no Laboratório Científico e Cultural da Modernidade: acontecia que, pela primeira vez desde há 50 anos, o Dr. Plus-Plus não comparecera ao trabalho! Dois outros cientistas trataram logo, então, de indagar o que se passava e dirigiram-se, apressados e preocupados, a casa do mestre. Chegados lá, nem foi necessário bater, porque a porta de entrada estava encostada. Após chamarem pelo Dr. Plus Plus, entraram, sem se fazerem rogados. Não era a primeira vez, aliás, que pisavam o interior daquela casa. Alguns anos atrás, certas fórmulas de inventos mais sofisticados tinham sido partilhadas com eles pelo mestre precisamente na sua biblioteca, muito espaçosa e, por tudo aquilo que continha, em quantidade e desalinho, mais parecia uma extensão do próprio LCCM. Depois de entrarem, subiram as escadas para o 1º andar e, algo pesarosos, abriram a porta do quarto, moveram os olhos em redor, mas, nada! A cama dava indícios de o Dr. Plus-Plus ter dormido nela, embora os cobertores, estranhamente, estivessem ainda puxados para cima. Aliviados, voltaram a descer e entraram na biblioteca.


-- Aqui, também nada! -- exclamou um dos cientistas. -- Será que ele morreu na praia?

-- Isso nem parece seu. Não diga disparates!
-- Tem razão... Ó colega, para que quereria o Dr. Plus-Plus esta garrafa com água e pedrinhas?
-- Não toque em nada! Meta-lhe, mas é, a rolha que está aí ao lado, e vamos embora, que, às tantas, o mestre já é capaz de estar à nossa espera no LCCM. Despache-se! O que tem a garrafa de especial?...
-- Estava a pensar por que razão ele meteu água e pedrinhas lá dentro...
-- Os verdadeiros génios têm sempre dessas coisas. Meta nela a rolha, e vamos embora. Ande lá!

No instante em que a mão agarrou a rolha para tapar a garrafa, ouviu-se como que um gritinho: "NÃO!".


-- Ó colega, ira jurar que ouvi a voz do Dr. Plus-Plus...

-- O "stress" faz ouvir coisas! Vá, vamos embora...

E, então, antes de saírem, a mão, com uma chapada seca, encravou a rolha na garrafa Depois, caminharam velozes rumo ao LCCM. Quando lá chegaram..., nada! Nem sombra do Dr. Plus-Plus!... Foi passando o tempo... Foram passando os dias... Chamou-se a polícia... Decorreram semanas, meses..., e o maior cientista do mundo nunca mais apareceu! O que acontecera?... A própria polícia confirmou que ele se havia deitado na cama, aonde não foi encontrado, mas cujos cobertores, inexplicavelmente, estavam naquela posição em que ficam quando alguém se deita e os puxa para cima, a fim de se cobrir: quer dizer, o Dr. Plus-Plus não podia sair da cama e deixar os cobertores naquela posição, a não ser que se evaporasse debaixo dos mesmos. Então, o que acontecera, verdadeiramente?...


Voltemos atrás. No instante em que um dos cientistas se preparava para meter a rolha na garrafa com a água e as pedrinhas, acordava o Dr. Plus-Plus (imagine-se!) dentro da garrafa com a qual tanto se afadigara. O maior cientista do mundo tinha agora um tamanho 100 vezes menor do que os seus 1,60 metros de altura, que, a olho nu, apressadamente, e sem qualquer aviso, seria impossível descortiná-lo, ainda para mais deitado entre as pedrinhas! Por isso, mesmo as investigações posteriores nada apuraram sobre o misterioso desaparecimento do Dr. Plus-Plus, que ficara, como um peixinho no aquário, preso em tão insólita quanto surpreendente armadilha! Apenas ele ficara a saber que, pelo facto de ter acreditado, piamente, e durante tanto tempo, na sua genial "micro-baleia", embora com um biológico "erro de cálculo", o seu esforço, dedicação e discernimento haviam sido até bem mais recompensados! Se ele, Dr. Plus-Plus, conseguiu gritar sob a própria água, é porque a omnipotente "evolução" fora a tal ponto generosa naquela transposição biológica e espacial, que o dotara também de um sublime, invejável e exemplar par de guelras!


(Rui A C / 1988)

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